Questão Religiosa no Piauí - Capítulo I: O caso do Piauhy: patrimônio restituído – o contrato assinado, 31 de julho de 1910

 

O CASO DO PIAUHY

Patrimônio restituído – O Contrato assignado.

 

Por telegramas que há tempos publicámos, recebidos diretamente por esta folha o pelo Centro da Bôa Imprensa, sabem os nossos leitores que a S. Ex. o Sr. Dom Joaquim de Almeida, bispo do Piauhy, foi definitiva e legalmente restituída a posse e administração dos bens diocesanos que lhe haviam sido injusta, criminosa e violentamente arrancados por uma sociedade leiga, organizada da noite para o dia pelos maçons de Therezina, no intuito de abocanhar os bens da Egreja, sob o disfarce de administrá-los independentemente de qualquer fiscalização da autoridade eclesiástica.

Por uma antiga doação de Manuel Dantas Correia e Heitor Correia, havia a diocese do Piauhy entrado em plena posse de seis fazendas: Macambyra e Curral dos Cavallos no município de Campos Salles ou Batalha, e Peru, Pitombeiras Boqueirão, e Veados, em Piracuruca, organizando-se em 1843 a Confraria de N. S. do Carmo, cujo compromisso foi aprovado pelo prelado diocesano, sendo desde então considerado presidente nato da Confraria o vigário da freguesia.

Em 1892 a Confraria reformou o compromisso, mas essa reforma não foi efetivamente aprovada pelo prelado diocesano, que era nossa época o bispo do Maranhão. A 12 de Outubro de 1896 os mesários renunciaram os cargos, passando a administração exclusivamente ao vigário da freguesia, até que foi instalado o bispado com a posse do atual antístite Dom Joaquim Antônio de Almeida. O vigário pediu então sua exoneração, nomeando o Snr. Dom Joaquim um procurador para o patrimônio da diocese ao qual patrimônio já se achavam incorporados aqueles bens, conformo se vê cia Bula de instituição ou criação do bispado.

Havia portanto treze anos que se tinha real e juridicamente extinguido a Confraria, em virtude da renúncia espontânea o efetiva de todos os seus membros.

Ultimamente, a maçonaria do Piauhy, obedecendo à palavra de ordem passada a todas as lojas do Brasil para guerrearem surdamente a Egreja e se apossarem, de qualquer modo, do seus bens, como fizeram em França e estão fazendo em todo o Brasil, fez organizar a Sociedade Fraternidade Piracuruquense, cujo título tresanda maçonismo por todos os lados, e que era de facto constituída e dirigida pelos maçons.

Combinados estes, por intermédio das lojas, com os seus irmãos trolhas de Therezina, que eram a quase totalidade das autoridades federais e estaduais (presidente do Estado Dr. Anísio inclusive) fácil lhes foi um audacioso golpe, invadindo e fazendo invadir as propriedades, e apossando-se delas pela violência material.

Chegou ao ponto de não ser possível dirigir-se a Piracuruca pessoa alguma da confiança do Sr. Bispo, sem que sua vida corresse risco muitíssimo sério.

Neste transe, apelou Dom Joaquim para os tribunais, mas sem resultado algum: tanto a justiça federal como a estadual estava entregue exatamente aos mais venenosos cascavéis maçônicos, aqueles mesmos que, muito provavelmente, eram os auxiliares senão insufladores da espoliação da Egreja.

Viram porém os adversários que a Egreja piauhyense tinha à sua frente um apóstolo intemerato, cujo energia jamais conseguiriam vencer: tardeou cedo ele fatalmente haveria de conseguir que prevalecesse a justiça. Trataram por isso de intimidá-lo, procurando, com pequenas infâmias adrede urdidas, levantar contra ele a opinião pública da capital do Estado.

Baldado intento. Dom Joaquim além do ser um apóstolo enérgico e dedicado, acima de qualquer elogio, é de uma perspicácia e lucidez extraordinárias, aliando às virtudes de um bispo as mais caras qualidades dos grandes estadistas. Desde que assumiu as rédeas da diocese, a sua atividade multiplicou-se extraordinariamente. As lutas e perseguições em que o envolveram, nem um único momento o demoveram, nem sequer o distraíram das inúmeras obras que iniciara e às quais de corpo e alma se entregava.

Os inimigos, pois, vieram esbarrar contra uma organização social talvez única em todo o Brasil: a «União Popular» é um facto no Piauhy, não só entre a alta sociedade, como principalmente no meio operário. Dois órgãos de imprensa tudo orientam: «O Apóstolo», certamente o mais importante jornal do Estado, é o órgão da «União Popular», destinado às camadas superiores e dirigentes da sociedade; para os operários existe O «Condor de Haya», esplendido jornalzinho que obedece à mesma orientação.

Pode-se dizer que o braço direito de Dom Joaquim, o homem especialmente talhado por Deus para dirigir em imediato contato todos os batalhões da força político-social católica, é o Dr. Elias Martins, em cujas mãos se vêm concentrar todas as rédeas do grande movimento.

É lógico que contra ele venha continuamente bater todo o ódio, toda a vilania adversa, pior desmascarada e franca, quer hipocritamente coberta com o véu do falso catolicismo. É obvio que hão deter surgido intrigas de todo gênero para separar Dom Joaquim do Dr. Elias Martins. Tudo porém, tem sido e será baldado diante da inigualável finura do grande prelado. Quanto mais procuram intrigar o Dr. Elias, tanto mais fortemente o bispo o prestigia.

Dá-se no Piauhy o mesmo que se deu em Minas com o «Partido Regenerador», mas com resultado inteiramente inverso. Em Minas, via o Dr. Menezes faltar-lhe repentinamente a confiança absoluta, o prestigio supremo, a autoridade ilimitada com que devera ter sido sustentado «contra tudo e contra todos» pelo seu prelado, e fez a única coisa que tinha a fazer — tudo devolveu a quem de direito — porque, sem prestigio absoluto, sem confiança total, sem autoridade indiscutível, não há homem capaz de organizar coisa nenhuma.

No Piauhy, como em Minas, surgiram as mesmas intrigas; apenas Dom Joaquim procedeu de modo contrário: mais prestigiava o Dr. Elias Martins.

Se alguém lhe ia pedir, a ele — bispo, ordens ou conselhos, a sua palavra era uma só: «obedeça ao Dr. Martins » O Dr. Martins era tudo; só com ele se entendia o bispo.

Foi de encontro a esta organização fortíssima, onde não havia uma brecha por onde entrar a hipocrisia maçônica, que vieram esbarrar os adversários.

Um golpe de mestre, inesperado e tremendo, foi o apelo feito ao eminente Ruy Barbosa no momento em que os adversários julgavam ganha a partida. Imagine-se o efeito: o governo do Estado e a maçonaria haviam-se comprometido à votação unanime no Marechal Hermes: de repente, à só voz do Dr. Elias Martins, o Estado em peso se revolta e levanta pela candidatura Ruy Barbosa!

Os mandarins políticos ficaram tontos. Andaram, viraram, mexeram, empregaram todos os ardis, todas as falcatruas políticas, falsificaram em massa as eleições, e mesmo assim foram obrigados a «conceder oficialmente» ao senador Ruy Barbosa, quase metade da votação geral do Estado!

E observe-se que o partido político chefiado pelo Dr. Elias Martins bateu-se «sozinho» contra os outros dois partidos coligados, e tinha contra si (como em Minas o «Regenerador») todas as autoridades política e militares, estaduais e federais.

O Dr. Antonino Freire, atual presidente do Estado, é incontestavelmente um estadista muito superior ao seu antecessor. Compreendeu perfeitamente a situação e, reconhecendo a justiça e o prestígio enorme da organização católica, tratou desde logo de harmonizar quanto possível a família piauhyense. O contrato firmado em tabelião abaixo publicado, é fruto dos bons ofícios do Dr. Antonino Freire quo mostrou assim ser verdadeiramente digno do lugar que ocupa.

É verdade, como bem nota o «Apóstolo», que esse contrato encerra ainda algumas injustiças. Melhor fora para a própria honra individual dos maçons da tal «Fraternidade Piracuruquense» que, reconhecendo o pleno direito do bispo, «como de facto reconheceram», lhe devolvessem incondicionalmente aquilo que lhe pertencia. Mal comparando, fizeram como o tratante que, tendo cometido um furto, exige gratificação para restituí-lo.

Em todo o caso, «de dois males o menor». Com este contrato salvou-se alguma coisa; com uma demanda em que os «juízes são sócios da parte contrária» o menos que se poderia esperar era o acontecido a um desgraçado que se fez barbear por um açougueiro: arrancou-lhe o couro mas deixou os cabelos. (D’ «O Universo», do Rio).

FONTE: O caso do Piauhy: patrimônio restituído – o contrato assinado. O APÓSTOLO, ano IV, nº 163, Teresina, 31 de julho de 1910, p. 2-3.

 

I. Contextualização:

A partir do comprometimento dos partidários da “União Popular”, a orientação do hebdomadário católico volta-se para o embate cada vez mais acirrado contra o governo de Antonino Freire e os veneráveis da loja Caridade II. Tais combates se intensificaram após o polêmico caso do Patrimônio Diocesano, no qual Elias Martins e seus correligionários mais destacados, como Augusto Ewerton e Silva, Collect A. da Fonseca e os padres Alfredo Pegado e Fernando Lopes, ter se arrastado de 1909 a 1910; e Martins ter atuado na solução dessa pendência em defesa do bispo, como podemos averiguar na repercussão nacional da questão registrada no órgão do partido católico "O Apóstolo", onde foi reproduzido um artigo original do jornal católico "O Universo", do Rio de Janeiro, então Capital Federal.

(...)

O caso do Patrimônio Diocesano de Piracuruca, processo judicial de foro eclesiástico e secular que se arrastou de 1909 a 1910, cujos trâmites jurídicos foram levados a cabo, por um lado, a favor do bispo, por intermédio de seu advogado, Dr. Augusto Ewerton da Silva (membro da União Popular); e, por outro lado, por Antonino Freire. Fonseca Neto (2016), sobre esse episódio no bispado de D. Joaquim, enfatiza:

"De uma coisa não há dúvidas, em que pese requerer mais pesquisas: essa momentosa questão agastou muito o prelado piauiense, e compôs o cenário de suas graves apreensões, que levaram à sua transferência, quase renúncia, pouco tempo depois. Clero e povo ficaram contra o bispo e aumentaram-lhe a peroração de dissipador do patrimônio. A venda dessas fazendas, considerada um mau negócio em todos aspectos, foi, mais tarde, questionada pelo terceiro bispo, Dom Severino Vieira de Melo, que judicialmente reverteu, vinte anos depois, o negócio e parte do patrimônio passou a integrar a gleba foreira municipal, em Piracuruca".


O dilema patrimonial chegou até o Supremo Tribunal da República, a ponto de Ruy Barbosa intervir na questão a favor da causa eclesiástica. No Piauí, os católicos da “União Popular” protestaram contra a forma como o processo foi “resolvido”. Martins demonstra a sua insatisfação, acusando o governador Freire de ser o principal autor de uma falsa conciliação, aparentemente pacífica, mas que mascarava as reais intenções inimigas.

 

Ref.: FARIAS, Dário Leno de Souza. Contra o Poder das Trevas: Elias Martins e a militância católica leiga ultramontana no Piauí de 1910 a 1913. Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Piauí - UFPI, 2022. p. 60-61.

SANTOS NETO, Antônio Fonseca dos; LIBÓRIO, Paulo de Tarso Batista. Joaquim. Teresina: Editora Nova Aliança, 2016. (Sucessores dos apóstolos em Teresina, v. 1).

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