Questão Religiosa no Piauí – Capítulo II: “O CERCO AO PAÇO EPISCOPAL”, 02 de dezembro de 1909

 


Theresina, a cidade pacata e ordeira de outrora, há dias está sendo presa de grande aflição.

Os inimigos da ordem e do sossego público tem se encarregado de uma situação anormalíssima, porque vamos atravessando.

O Estado, todo anarquizado, em seus diferentes departamentos, representa um campo assolado por formidável tufão!

Inimigos gratuitos, possuídos de ódio insopitável, têm pretendido levar a ferro e fogo a fé de um povo que deseja ser fiel à voz da sua Religião.

De dois meses a esta parte, mais ou menos, entre aqueles que se vangloriam de inimigos de Deus e da fé do povo, têm tomado papel saliente o sr. Coronel João Rosa, que não sabemos porque, arvorou-se em martelo acabrunhador, procurando espezinhar as nossas crenças, espalhando no meio da nossa sociedade verdadeiro pânico!

O sr. João Rosa, com a doença do sr. Anísio de Abreu, governador do Estado, por uma fatalidade, e abusivamente, proclamou-se o “senhor absoluto” do Piauhy, e o público contempla, estático, a série de desatinos, cometidos por esse homem, cujos cabelos brancos lhe deviam ditar mais reflexão.

Dominado de ódio infernal à Religião do povo theresinense, ele se tem precipitado com verdadeira fúria contra a pessoa do nosso querido Prelado, contra o clero piauhyense os nossos sentimentos de católicos, e, então, não há expediente de que o sr. João Rosa não tenha lançado mão.

Novo Calígula, ele já terá dito em seu coração: Hei de acabar com a religião no Piauhy!

Assumindo, indebitamente, o cargo de secretário de polícia, tem o sr. João Rosa, abusando desse emprego, inventando as maiores perseguições.

Manda assentar praças em diversos homens do povo; exige moções para ser retirado desta diocese o Exmº Sr. Bispo diocesano, proíbe que “O Apóstolo” seja lido na cadeia e no quartel; demite empregados que assignaram protestos em favor do Bispo e do clero; manda os pobres músicos fazerem ronda; manda botar todas as noites patrulhas pelas portas das habitações do Bispo, dos Padres, do Seminário e das Igrejas, para serem vigiados aqueles que podem o devem trabalhar pela Religião que professamos!

O povo já vive assombrado do sr. João Rosa, e na 5ª feira última, se preparou a comédia mais revoltante que dar-se pode!

A dias o povo dizia que o sr. João Rosa, de combinação com os seus “irmãos” arquitetavam um plano sinistro, tendo por fim deportar o Exmº Sr. Bispo para Caxias, fazendo ele renunciar ao cargo. Esta notícia foi tomando vulto, de sorte que na 5ª feira transata, ao cair da tarde, o público theresinense estava dominado de verdadeira apreensão e de todos os lábios só se ouvia este comentário: o coronel João Rosa está com a polícia aquartelada e a meia noite irá expulsar o Bispo, sendo o celebérrimo e tristemente célebre tenente Gerson – “o guia” do movimento.

O povo, ao ouvir pronunciar o nome terrível desse novo Antônio Silvino, tão afamado pela sua “valentia”, sabia que naquele dia o sr. Gerson havia de perturbar o sossego da família theresinense. A expectativa era cruciante e pelos recantos da cidade correu, rápido, o boato alarmante: O coronel João Rosa está com a força pronta!

Não tardou, porém, que o povo, no intuito de defender ao nosso venerando Prelado, das arruaças do sr. João Rosa e das violências do D. Quixote, que iria comandar o “batalhão”, corresse para a residência do virtuosíssimo Bispo do Piauhy, ao qual esse mesmo povo, em número de quatrocentos homens, mais ou menos, ofereceu a sua dedicação.

Entretanto, aqueles que ali estavam, no cumprimento de um dever — gratidão e amizade — jamais tinham intuitos de agressão, como malevolamente dizia a gente do sr. João Rosa.

Ali estava o povo, ali estavam os amigos do Bispo, ali estavam os membros da “União Popular” e “Associação de São José”, duas corporações que formam, hoje, a esperança do Piauhy.

Esperava-se o momento do ataque, quando soubemos que o “valentão” tenente Gerson percorria todas as ruas da cidade, e, com ares de “Napoleão”, de espada em punho, e apito a trinar, dava ordens, ajuntava soldados e fazia o cerco completo ao palácio do Sr. Bispo.

A força de polícia, já então numerosa, foi postada pelos becos que ficam próximos à Soledade, ficando o Palácio Episcopal verdadeiramente sitiado, e os soldados, de espingardas embaladas, com ordem de não “deixarem ninguém entrar” na residência do Sr. Bispo!

Efetivamente, ninguém passava, porque o “valentão” Gerson precipitava-se logo e dizia, como o sultão da Turquia: não passa, não passa! Pobre Piauhy, onde um Gerson, magro e amarelo, corta a liberdade do povo! Ah! Mas o povo é soberano!

Por mais de uma vez o emissário do sr. João Rosa tentou provocar o povo da “União Popular”, ora tomando o cacete a um, ora puxando-o pela gola; e o sr. Gerson teve a petulância de ir à porta do Palácio Episcopal, empunhando a espada, em atitude agressiva!

Ora, o governador do Estado, quase agonizante, sem nada saber deste mundo, quem deu aquelas ordens ao oficial Gerson?

Este homem, este oficial, deixou o seu papel e tornou-se, não o mantenedor da ordem, mas o primeiro perturbador do sossego público.

Espalhou-se verdadeiro pânico no seio das famílias, a quem o sr. Gerson tanto desrespeitou.

Não havia desordem nenhuma e para que tanto alvoroço? O povo raciocina: vê o móvel de tudo isso... e sabe quais os mandantes...

O que é de admirar é que o sr. dr. Miguel Rosa, diretor da Instrução Pública, e o sr. Joaquim Guedes (sabem quem é o Guedes? Aquele...) lá estavam, dando “ordem” também!

Mas que relação tem Miguel Rosa com “barulho” de polícia, dirigida pelo valentão Gerson?

Não, esta situação não pode e não deve continuar assim!

O Exmº. Sr. Bispo, ao ter notícia do desacato que o sr. João Rosa e os seus comparsas iam-lhe fazer, telegrafou ao sr. Presidente da República, pedindo garantias.

Ao ter-se notícia do plano do Sr. João Rosa, contra o Sr. Bispo, a “União Popular”, mandou imediatamente um positivo a São Miguel chamar o nosso venerando chefe dr. Elias Martins que não se fez esperar, chegando a esta capital às 4 horas, da manhã, de 6ª feira.

Reunida a Convenção da “União Popular”, ficou resolvido pedir-se providências ao sr. dr. Antonino Freire, vice-governador do Estado, visto que o governo está acéfalo.

Às 9 horas da manhã, o nosso chefe dr. Elias Martins e o Cônego Fernando Lopes e Silva e Padre Amâncio Ramalho estiveram com s. Exc.ª, a quem expuseram o ocorrido.

Na residência do vice-governador já se achavam os nossos distintos amigos coronel Leocádio Santos e Manoel Lopes que a s. Exc.ª. foram igualmente pedir providências.

Depois de demorada conferência, o sr. dr. Antonino Freire declarou que iria tomar providências no intuito de cessar esse estado de cousas e tudo faria para que aqueles fatos não se reproduzissem.

Esperemos que s. Exc.ª. cumprirá a sua palavra, a fim de que a sociedade theresinense possa sossegar das agonias que lhe tem causado o sr. João Rosa e companhia.

Fique, porém, aqui registrado o nosso protesto contra aquele atentado e contra as arbitrariedades do sr. tenente Gerson.

Fique, mais uma vez, dito: A “União Popular” não é elemento de desordem e nem promove arruaças; saberá, porém, defender os seus direitos.

 

Fonte: Situação Afflictiva. O APÓSTOLO – Órgão da “União Popular”, ano III, nº 130, Theresina, 5 de dezembro de 1909. p. 3.

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