Nota Biográfica: Cônego Acylino Baptista Portella Ferreira (1853-1917) - "O Nestor do Clero Piauhyense".
O cônego Acylino Baptista Portella Ferreira, filho do coronel Antonio João Baptista Ferreira e de D. Maria d'O' Portella Ferreira, nasceu na cidade de Oeiras a 17 de Julho de 1853, decorrendo-lhe a infância por entre a oxigenada atmosfera da educação cristã.
Foi o lar católico a sagrada oficina das qualidades do jovem Acylino, continuada pela bem-fazeja ação da escola primária, cabendo ao próprio pai, consumado mestre instruí-lo nas belezas da língua latina, que, com as cadeiras de francês e matemáticas, constituía por esse tempo, o curso secundário da província.
Perlustrou-o em fulgurante marcha, não conseguindo o estímulo da vitória abalar a inata modéstia, embora premiado pelo governo, que lhe concedeu em lei meios de continuar os estudos em um dos seminários do império.
Era um adolescente quando partiu para a capital do Maranhão, matriculando-se no seminário das Mercês, novo e fecundo campo, onde o coração e a inteligência abriram-se às harmonias do amor e às claridades de sólida ciência.
Para logo distinguir-se pela severa piedade e dedicação ao estudo, acendendo ao seminário maior pela força do mérito, diamante lapidado às mãos de exímios artífices a derramar o luminoso feixe das virtudes.
(...)
Sem deslize, nem desfalecimento, percorreu todas as estações do curso, recebendo as ordens menores no seminário maranhense; mas, ao chegar ao termo da jornada, ainda sem a idade regulamentar, suprida pela internunciatura, vaga a cadeira episcopal, transportou-se a cidade de Fortaleza, onde, após o subdiaconato, com breve interstício, foi elevado à dignidade de presbítero, no dia 23 de abril de 1876, pelo diocesano D. Luiz dos Santos, mais tarde arcebispo primaz da Bahia.
E logo voltou à terra natal. Nomeado vigário da igreja de N. S. dos Remédios de Picos, neste estado, ali chegou em Junho de 1876, mantendo-se sua provisão até Janeiro de 1878, na quadra da grande seca, brilhando em meio do calamitoso infortúnio a ardente caridade de seu coração.
Quando deixou essa freguesia, em começo de 1878, para ocupar a de Valença, sua residência até pouco antes da morte, tinha adornado a igreja de N. S. dos Remédios com todos os objetos do culto, levantado o cruzeiro no grande adro, reconstruído diversas capelas pelo interior e alguns cemitérios, erguendo novos em outros pontos.
Ainda voltou a Picos nos anos de 1897 a 1900, restaurando a igreja do Sagrado Coração, ao mesmo tempo que aumentava o esplendor da matriz pela aquisição de preciosos bens: lâmpada, custódia, cálice, caldeirinha, turíbulo, trabalhos de prata de gosto artístico, fundando a irmandade da padroeira.
Entre as muitas capelas, que erigiu, merecem especial mensão os da Bucaina e Genipapo, bem como os cemitérios dessas prósperas povoações.
Coube-lhe mais a fundação da Conferência de S. Vicente de Paulo, formosa obra, abençoada por copiosos frutos, ora em plena florescência.
Pela derradeira vez, de 1903 a 1909, teve de tornar a administração dessa freguesia, reconstruindo radicalmente a matriz.
Promoveu e alcançou a liberdade de muitos, impelindo e regularizando o movimento abolicionista, aproveitadas as datas festivas das famílias para concessão de cartas de alforrias, presente apaziguador e celeste.
O que fez pela obra das vocações religiosas, desajudado de humano auxílio, seria título bastante para as honras de benemérito; Joaquim Lopes, Benedito Portella, Joaquim Leal, Marcos Carvalho, Cícero Nunes, Aristheu Rego, Acylino Portella, Félix Meirelles e Sotero Conrado foram criações suas, quase todos discípulos e comensais, acompanhados com carinhoso desvelo até o curso superior.
O primeiro, hoje monsenhor Joaquim de Oliveira Lopes, nome que resume o apostolado piauhyense contemporâneo, foi-lhe sempre inseparável amigo e cooperador; e os dois últimos, envoltos no perfume de qualidades angélicas, flôres de uma manhã de primavera, logo trocaram a terra pela mansão dos justos.
(...)
A luta religiosa, que mareou o brilho e serenidade do segundo império, arrastou ao cárcere dois sábios e piedosíssimos prelados, profundo golpe no âmago das instituições, já fôra suficiente brado para despertar a modorra do clero nacional, ligado ao poder temporal por uma concordata leonina, que pelo arbítrio do recurso à coroa, em negócios peculiares a Igreja, lançara-lhe nos braços pesados ferros.
Aí está a única razão que o levou a distender o raio da dilatada influência aos comícios eleitorais. No regime monárquico pertenceu ao partido conservador, que logo o distinguiu com a cadeira de deputado provincial, ainda quando o mérito real não era uma quantidade negativa na escolha dos representantes do povo, trazendo seu diploma a data de 27 de dezembro de 1897, e as assinaturas de José Felix Alves Pacheco, presidente, e Manoel Raimundo da paz.
A radical transformação, operada pela proclamação da república, nada pode contra seu prestígio, assente em inabalável fundação. De novo voltou à Câmara dos deputados, mas compreendeu, desde os primeiros momentos da vida democrática, que os altos interesses da religião exigiam a agremiação dos elementos genuinamente católicos, conjugadas todas as forças para o combate a mortíferos germes, inoculados no organismo da nascente instituição.
Surgiu então o partido católico, de que foi um dos principais organizadores, ao lado dos cônegos Honório Saraiva e Raimundo Gil da Silva Britto, doutores Firmino de Souza Martins, Manoel Rodrigues de Carvalho, Gentil Pedreira, José Pereira Lopes e outros.
Para defesa e propagação dos princípios, que os orientavam, criaram a «Cruz», semanário de breve existência, mas que deixou na trajetória marca fulgurante.
E ninguém se interessou mais do que ele pela manutenção desse jornal, já tendo anteriormente concorrido com elevada soma para o estabelecimento da «Civilização», órgão da Diocese, uma das folhas de maior brilho do norte do país.
Transferido para Oeiras, sua terra natal, voltou à antiga casa paterna, restaurada para receber aquele que para aos clarões da juventude, e regressava agora, curvado o fardo dos anos e das enfermidades, mas nimbado pela auréola dos vencedores.
A velha cidade, em alviçareiro fremito, recebeu o na incontida vibração dos movimentos emotivos, sendo-lhe consolo ao magoado coração.
Poucos meses, gozou desse ambiente de amoroso conforto. Grave moléstia, a princípio ligeira indisposição, prostou-o no leito de atroz sofrimento, resistindo à dedicada e inteligente medicação, guardado pelo desvelo de enfermeiros, que disputavam a honra de servi-lo pelo menos um instante.
Chegou por fim a 29 de Março de 1917, às 20 horas, à porta da residência do enfermo, e as primeiras palavras foram "graças a Deus", sabendo que estava vivo e lúcido, embora profundamente abatido.
Às duas horas da madrugada fizeram-no despertar. Largo foi o entretenimento, dispondo providências, regularizando situações; nada esqueceu, as missas pelos finados, ainda não celebradas, as mínimas obrigações passaram ao seio da confiança.
Reconciliou-se, sentindo-se confortado, sereno e satisfeito para cumprir a divina vontade; a uma frase de animação, que lhe atribuía ainda probabilidades de vida, respondeu por entre leve e dulcíssimo sorriso: "Não é tão bom morrer?"
Como sagrada lâmpada, baldada de óleo, pouco a pouco começou a extinguir-se, ainda assim acompanhado com absorta atenção o ofício dos agonizantes; já não se ouvia o rumor da apagada voz e os lábios moviam-se na consciente recitação da prece.
Adormeceu cerrando os olhos para sempre; em torno corriam silenciosas lágrimas, mais longe abafados soluços, lá fora, no imenso ajuntamento do povo a tumultuosa agonia da irreparável separação.
Descansa agora à sombra da vetusta matriz, onde o acompanhou à inumerável família espiritual, fundida na comunhão de indefinível saudade.
(Elias Martins, 1920).
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Em outro escrito, publicado originalmente, também, em 1920, Monsenhor Cícero Portella Nunes louvou as vitórias e fama do prestigiado cônego:
"O sacerdote, que, por quase meio século, prestou inesquecíveis serviços à Religião e ao povo, foi o cônego Acylino Portella.
'Trabalhou 41 annos, diz o dr. Elias Martins (Frei Serafim de Catânia, 1917), sem um deslize, morrendo em pleno campo de ação, santificado por heroicos sacrifícios, veterano de mil batalhas, caído ao pé da grandiosa bandeira.
Primus inter pares, tinha natural pendor pelo derradeiro lugar, padecesse embora o constrangimento da preeminência nos conselhos eclesiásticos, com justiça e feliz acerto apelidado - Nestor do clero piauhyense. Seu nome, cônego Acylino Baptista Portella Ferreira, diz em uma só palavra o sertanejo - o cônego, numa abundância de amor, espontâneo e expressivo, que seria impossível confundi-lo com outro.'
Nascido em 1853 e ordenado sacerdote em 1876, foi vigário de Picos e, de 1879 a 1916, dirigiu espiritualmente a paróquia de Valença, onde, como chefe político de oposição, nunca foi derrotado nas urnas eleitorais, pelo governo. Em 1910, quando da campanha de Ruy Barbosa contra o militarismo, o deputado Pedro Moacyr declarou, na Câmara dos Deputados, que os únicos lugares em que a oposição triunfou da compressão dos governos foram S. Borja, no Rio Grande do Sul, e Valença, no Piauhy. O facto não surpreendeu a política piauhyense, habituada à presencia-lo.
De 1894 a 1898, edificou o cônego Acylino a nova matriz de Valença, o maior e um dos mais elegantes templos de toda a Diocese, construído, em grande parte, a sua custa.
Numerosos são os sacerdotes piauhyenses que deveram sua vocação ao influxo moral do cônego, que a muitos auxiliou pecuniariamente, sendo alguns ordenados às suas expensas. Em todo o Município de Valença não há uma família que não estivesse ligada a ele por laços de gratidão, ou amizade.
Os próprios adversários políticos o veneravam. Nas grandes crises, determinadas pelas secas do Nordeste, era ele a providência a que recorriam pobres, órfãos, famílias inteiras, voltadas à fome e à miséria. Jamais alguém voltou de sua porta sem o auxílio, perfumado de carinhos e amizade. Sentindo avizinhar-se a morte, pediu, em 1916, sua transferência para a Freguesia de Oeiras, sua terra natal. Queria dormir o derradeiro sono, ao lado de seus antepassados, no solo amigo que lhe serviu de berço, onde, como em Valença e Picos, todos lhe consagravam filial veneração."
(Almanach, 1937).
Referências:
Elias Martins. Operário da Boa Vinha: esboço biográfico do Cônego Acylino Baptista Portella Ferreira (1853-1917). Theresina, Revista do IHGPI, 1920.
Monsenhor Cícero Portella Nunes. Notas para a História Religiosa do Piauí. Almanach Piauhyense, Theresina: Gráfica Excelsior, 1937. p. 45.