ANTIGOS COSTUMES DE CAMPO MAIOR. Marion Saraiva, 1968
Das festas religiosas, as mais impressionantes eram as cerimônias da Semana Santa, que se realizavam todos os anos com grande piedade. Quase toda gente se confessava para comungar na Quinta-Feira Santa e muitas jejuavam.
O "jejum" constava de tanta comida ao meio dia, quando a matraca tocava, e na consoada, quando íamos para a mesa resolvidos a dar cabo das sobras do almoço, e mais de um prato grande de arroz de leite, da tijela de qualhada, dos pratinhos de canjica, café com cuscuz, milho cozido, e de tanta gulodice que aparecia, que é impossível enumerar.
Noutros lugares há o costume de dar presentes pelo tempo da Páscoa. Aqui era na Semana Santa que a gente recebia e retribuía tantas coisas gostosas de comer. Amigos traziam da roça macacheira, milho verde, abóboras, melancias, ovos e queijo frescos, que nós, os da cidade, retribuíamos com bacalhau, sardinhas e macarrão. Até as pessoas mais humildes traziam um molho de cheiro verde e pimentas.
Nos "dias grandes" crianças pobres pediam de porta em porta: "uma esmola pra mamãe jejuar hoje". Para os pobrezinhos também "jejuar" significava "comer". Abstinência para os pobres sempre foi "o pão de cada dia", aqui como em todo o mundo.
As procissões eram duas: a dos Passos e a do Enterro. Na quinta-feira da semana da Paixão era o dia da "fugida". A imagem do Bom Jesus era levada à noite, sem luzes e em silêncio, da Matriz para a Igreja do Rosário, de onde deveria sair a procissão dos Passos, no dia seguinte.
Os principais da terra, o juiz de direito e os chefes das famílias mais importantes disputavam a honra de carregar os andores. A Maria Beú, vestida de branco e com a cabeça coberta com o cró, vinha no meio da ala, acompanhada pelo menino que carregava a cadeira de cima da qual ela cantava em cada um dos 7 passos. "O vos omnes qui transitis per viam attendite et videte si est dolor cicut dolor meus".
O encontro do Bom Jesus com Nossa Senhora era tocante e o sermão, indispensável. A imagem da Virgem ficava escondida numa ruazinha perto do local previamente escolhido, até o momento em que o orador dava o sinal para ela aparecer. Então começava o sermão que muitas pessoas piedosas ouviam com lágrimas nos olhos.
Encerrada a procissão, voltavam os fiéis para visitar os Passos. Era costume enfeitar-se o altar o Passo com flores de papel, cartuchos de castanhas assadas, pencas de cajás, frutas gostosas, como goiabas, que depois eram dadas como lembrança aos visitantes. Quando eu era menina, este costume ainda estava em vigor e, nas sextas-feiras dos Passos, muitas vezes voltei para casa com as mãos cheias desses humildes presentes, que ninguém desprezava.
A procissão do Enterro era feita à noite, e o silêncio apenas quebrado pela marcha fúnebre que os músicos tocavam atrás dos andores.
Espalhado no ar, misturado ao incenso, havia um cheiro gostoso de manjericão e limãozinho machucados.
(Matéria do jornal "A Luta" de 14-04-1968, pág. 3. Não inclui foto). In: Reginaldo Lima. GERAÇÃO CAMPO MAIOR: Anotações para uma Enciclopédia. p. 275-276.