O Martírio do Padre Francisco da Costa Pinto, S.J (1608)
"Não foram os filhos de Santo Inácio os primeiros evangelizadores dos nativos piauienses, foi porém um Jesuíta, o Pe. Francisco Pinto, quem escreveu a mais bela página de nossa História Eclesiástica.
Seu nome é desconhecido até mesmo daqueles por quem verteu o sangue e consumou a vida, porque, mesmo entre os historiadores piauienses, persistia a suposição de que o seu glorioso martírio envolvesse apenas a História Religiosa do vizinho Estado do Ceará.
O Pe. Francisco Pinto e seu companheiro, o Pe. Luis Figueira, foram os primeiros Jesuítas a pisarem o solo piauiense, e a efusão do sangue de um e a caridade extremada de ambos se constituem a mais preciosa relíquia de nossa Igreja nascente."
(...)
Sobre o martírio do jesuíta em terras piauienses, narra o Padre Cláudio Melo:
"Mal saíra da cabana o emissário e o Pe. Pinto se recolhia à sua Igrejinha, para as orações costumeiras, antes do sacrifício da Missa, Deus dispôs que ali se celebrasse outro sacrifício, o holocausto daquele homem de Deus.
Repentinamente, de todos os lados, numa fúria louca e aos estridentes gritos de guerra, o tosco recinto de oração se encheu de uma balbúrdia indescritível, colocando em pânico a pequena comunidade em prece. Eram os Tacarijus que atacavam sedentos do sangue dos Missionários.
Ante o inenarrável atropelo, como de uma multidão desesperada, logo percebeu o pequeno grupo a gravidade do momento. Não tiveram tempo nem para se defenderem, nem para um eficaz socorro daquele que piedosamente rezava junto ao Altar.
Apenas o Pe. Luís figueira que estava um pouco afastado, na casa dos moços, porque tinha acompanhado por alguns passos o correio que mandara, e um menino tiveram tempo para se esconderem entre os matos e em aflitivas preces acompanhar a alucinante cena que se passava a pouca distância.
Era uma correria desenfreada, pulos, uivos, berros e pancadarias que faziam sentir uma melodia infernal, estarrecendo, arrepiando, ensurdecendo.
Todos aqueles bárbaros (e eram muitos) se lançaram no recinto sagrado, buscando incontidos, assenhorear-se do único alvo, o Pe. Francisco Pinto. Agarraram-no brutalmente, como se a vitima fosse uma fera perigosa. Num gesto de vingança e de desforra, arremessaram sobre o indefeso Sacerdote, inúmeros golpes e pancadas fortes que logo lhe quebraram a cabeça e os ossos, tingindo o solo com uma poça do sangue vivo de um cadáver.
A confusão da gritaria e do corre-corre abafou os gestos suplicantes e as preces de perdão proferidas pelo abnegado mártir.
A morte não satisfez aqueles possessos. Loucos, revolveram tudo, desbarataram tudo, arrancaram sotaina, parâmetros, cálice, como se arrancassem a maldição.
Batem, ferem, matam os defensores do Missionário e, dizendo imprecações, qual relâmpago, como entraram, voaram para o ocidente, deixando atrás a desolação.
Momentos depois, uma timorata voz se fez ouvir: – Venha Padre, eles se foram.
Corações em batidas aceleradas por tão duros e inesperados choques, param, choram, ante a nova cena que presenciam.
Frente aos olhos do Pe. Luís Figueira e de homens rudes, mas afeiçoados amigos, estavam corpos estendidos no chão – três mártires – e gemidos de agonizantes.
Quem poderá descrever o turbilhão de idéias que passaram pela mente daquele jovem Sacerdote ao ver morto o companheiro de todos os labores, de todas as esperanças, o amigo inseparável e orientador de suas dúvidas e sonhos? Lágrimas abundantes lhe rolaram sobre a face, como única exteriorização da tempestade de dor e saudade que lhe invadia o espírito.
Homem de fé, como aquele mártir, o Pe. Luís Figueira não se deixou esmagar. No céu, com certeza , seu companheiro continuaria a ajudá-lo, dando-lhe ânimo para vencer as dificuldades e força para o restante da caminhada. O importante agora era enfrentar corajosamente a dura realidade.
Vejamos como o Pe.
Luís Figueira narrou as últimas cenas do dolorosos evento:
Com isto me fui e me desci da serra, trazendo diante de mim o
corpo do Padre, e ao pé da serra o enterrei, fazendo-lhe um monumento de
pedras sobre a sepultura, para sinal dela, pondo-lhe também uma cruz à
cabeceira. Mandei logo buscar os dois índios. Um deles estava já morto, o
outro morreu ao dia seguinte. Ambos os fiz enterrar junto ao Padre,
para cuja defesa morreram, um de uma parte, outro de outra, ficando ele
ao meio.
Aqui
se remataram e coroaram tanto trabalhos do Santo Padre, com esta ditosa
morte, cujo intento era fazer muitas igrejas no sertão do Maranhão e
converter as Amazonas. Cortou-lhe Deus o fio, porque não era chegada
ainda a hora.
Depois
eu enterrei o Padre ao pé daquela alta serra da Ibiapaba, em um lugar
que particularmente se chama Abayara, ao longo de um rio, dentro de um
mato, esperei alguns dias pelo principal que estava ausente, para me
despedir dele, pelas caridades que dele tínhamos recebido.
Mas
prevendo ir alguém da Companhia, eu, como aquele que mais direito tem
nesta empresa, me ofereço para ser o primeiro, em que se quebre a fúria
dos contrastes.
O
fracasso daquela Missão pareceu total. O tempo, porém, fez ver que
continua verdadeira aquela afirmação dos albores do cristianismo – o
sangue dos MÁRTIRES é semente de novos Cristãos.
Menos de meio século depois destes fatos, os Jesuítas voltaram à Ibiapaba fazendo realidade o sonho do Pe. Francisco Pinto."
Referência:
MELO, Padre Cláudio. Os Jesuítas no Piauí, 1991. In: Obra Reunida, APL, 2018.