Padre Dionísio José de Aguiar: a polêmica do Cura de Oeiras com o Bispo do Maranhão (1785-1791)


O Pe. Dionísio José de Aguiar foi nomeado Pároco em 1767, mas já trabalhava naquela comunidade desde 1760, quando ali chegou vindo em companhia do Bispo, de quem era familiar. Homem de extraordinárias qualidades, com grande capacidade de ação, temperamento forte, mas muito comunicativo, facilmente grangeou a estima de muitos e ódio de alguns, principalmente políticos.
Um dos fatos mais dolorosos de nossa História Eclesiástica ocorreu exatamente no seu paroquiato, envolvendo sua pessoa e a do Bispo.
Indesejado de alguns, assumiu a Paróquia com forte oposição daquele mesmo grupo que amargou os dias do Pe. Antônio Henriques, para satisfazer o Ouvidor.
 
Já no primeiro ano de trabalho sentiu o peso da oposição que faziam. O próprio Governador Pereira Caldas lhe reclamou asperamente a conduta. Várias denúncias foram dirigidas ao Vigário Geral, o Pe. André da Silva, que também lhe reprovou os gestos ásperos com que tratava as pessoas. Uma das denúncias dizia que chicoteou uma crioula no confessionário, porque não sabia a doutrina. Também se dizia que conduzia consigo um criado, como guarda costa. Talvez por causa de fatos como estes, já no ano seguinte de sua posse, recebeu em Oeiras o Visitador da Diocese, Cônego Estevão Maurício de Velasco Molina. (25/04/1768). O seu zelo pela Igreja e Capelas, seu incansável trabalho de evangelização, a nova organização das Irmandades, a criação de outras, como a do Espírito Santo e de Nossa Senhora da Conceição dos Negros, responsável pela Igreja da Conceição, lhe deram permanência no posto. Mas seus inimigos não dormiram.

O grande escândalo

Após 18 anos de paroquiato, com uma pequena interrupção em 1782, foi o Pe. Dionísio denunciado perante a Rainha de Portugal. Esta devolveu a denúncia ao Bispo, Dom Frei Antônio de Pádua e Belas, para avariguações e providências. O Bispo que já não gostava do Padre, imediatamente organizou uma sindicância. Mais amigo da justiça que da prudência e da caridade, não vendo no seu sacerdote mais que “um Pároco poderoso, que põe toda a confiança na repartição do grande cabedal que juntou e tem estorquido em mais de 20 anos”, se precipitou em suas atitudes. Na exaltação de ânimos que desde o início tomou, o processo, foi constatada a procedência da denúncia. O Pároco foi declarado culpado, multado em 200$000 (duzentos mil réis), afastado do cargo e remetido preso para São Luís, onde foi recolhido no cárcere do Convento das Mercês, causando revolta em muitos quer da comunidade oeirense, quer da maranhense, onde o Cura tinha muitos amigos. O caso terminou transformando uma disciplina eclesiástica em um grave processo político.

A sindicância que deveria ser sigilosa, não o foi, porque os sindicantes, Cônego João Maria da Luz Costa e Pe. Henrique José da Silva não guardaram a devida prudência. O Pe. Henrique, por ordem do Bispo, assumiu a Paróquia.
Como o Bispo já tinha muitos desafetos em São Luís, este procedimento religioso chegou a extremos tão dolorosos que resultou em um processo judicial paralelo, do qual foi vitorioso o Pároco de Oeiras.
É possível que, de início, o Bispo estivesse bem intencionado e quisesse agir com a devida justiça. O envolvimento político fez o Antístite perder a cabeça e cometer absurdos a ponto de ameaçar de excomunhão o advogado que aceitasse a defesa do Pe. Dionísio.

O Ouvidor Dr. Manuel Leitão Bandeira “recém chegado do Reino, declarou nulos, incuriais e opressivos todos os procedimentos praticados pelo Bispo e seus delegados. Dom Antônio não tomou conhecimento da decisão judicial. O Governador Teles da Silva, que já representara à Coroa contra a instauração da devassa em causa, à sua revelia, notificou os Provinciais de todas as Ordens de que inocentado que fora o Vigário pelo referido Tribunal, ninguém poderia mantê-lo em prisão”.
Como se não bastasse, desobedecido pelo Bispo, o Juiz da Coroa decretou contra ele a pena das temporalidades, em 6 de Março de 1786, e ainda requisitou, para guarnecer o Palácio Episcopal, 47 homens sob o comando do Capitão José Joaquim da Fonseca. O Bispo, em tempo soube das medidas contra si e fugiu para Viana. De tudo isto teve conhecimento a Rainha. Em ofício de 29 de Outubro de 1787 “dizia-lhe o Ministro Martinho de Melo e Castro que, estranhando que houvesse desacatado as decisões do Juízo da Coroa, manda Sua Majestade declarar a V. Excia. que lhe foi muito desagradável este seu modo de proceder, e não menos estranhas as razões de que V. Excia. se serviu para o sustentar .... e lhe ordena que cumpra efetivamente, sem réplica nem demora, as ditas sentenças .... ficando salvo a V. Excia o direito de procurar a reformação dos provimentos da Junta da Coroa dessa Capitania, pelos meios competentes”.

A teimosia do Bispo continuou. O novo Governador do Maranhão, Fernando Pereira Leite de Fáios insistiu com ele para que desse por terminado o caso e reassumisse a plenitude de suas funções. Também em vão.
Em resumo, o Bispo abandonou a Diocese e se foi para Portugal, onde não foi recebido pela Rainha. Terminou renunciando o Sólio do Maranhão. O Papa aceitou a renúncia em 29 de Agosto de 1794.

O Pe. Dionísio voltou vitorioso para sua Freguesia e de lá acompanhou a desventura de seu Bispo.
O escândalo, a humilhação da prisão e o desagradável consequente ódio do Bispo abalaram a saúde do Pároco e fizeram que o retorno aos seus fosse por pouco tempo. O Pe. Dionísio morreu em Oeiras pouco depois destes infortúnios. Antes de seu passamento o Governador do Bispado lhe deu um Coadjutor, o Pe. Raimundo Francisco de Araújo, que o sucedeu.
Durante seu longo paroquiato o Pe. Dionísio teve como Auxiliares os Padres André da Silva, Antônio Gonçalves Neves, João Cordeiro, Custódio Vieira de Carvalho, João José de Siqueira, João José Caetano Pereira da Silva, Aniceto Ribeiro de Almeida, Antônio Lopes Benevides e outros.


A verdade ainda que tarde

Anos depois, em 1791, quando já morto o Pe. Dionísio fez-se uma grande Missão em Oeiras; durante ela, duas confissões públicas foram estarrecedoras para a sociedade oeirense Pe. Matias de Lima Taveira e o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco declararam em confissão pública que criminosamente forjaram as acusações e provas contra o Pe. Dionísio, porque lhe eram desafetos.
Só não foi inútil a confissão porque, ao menos para a História, o mal foi reparado.


Referência:

MELO, Padre Cláudio. Fé & Civilização. In: Obra Reunida. Teresina: ed. Academia Piauiense de Letras, 2018, p. 372-374.




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