Questão Religiosa no Piauí - Capítulo III: “O Atentado às portas da Igreja São Benedito”, 24 de novembro de 1912

SANGUE INNOCENTE ÀS PORTAS DA EGREJA

 

"Descerrou-se a cortina rubra da tirania, prevista e assinalada pela imprensa católica, advogada leal e extenuadas liberdades públicas.

Domingo, pela madrugada, à radiosa luz do luar, consumou-se em fase da Igreja de São Benedito, um atentado inaudito, tão requintado de ferocidade, que anda agora, oito dias depois, pesa na memória do povo, como o sinistro preludio da perseguição religiosa pelo domínio do terror.

José de Moura, gerente de “O Apóstolo”, zelador daquele templo sagrado, vinha, como de costume, abri-lo para fazer tocar o sinal do santo sacrifício da Missa, aviso de paz e amor, habitual e grato a multidão de fiéis.

Acompanhavam-no sua exm.ª família e um menino, que conduzia volumoso maço de jornais para a distribuição desse dia. Ao pisar o patamar, encontrou três soldados do corpo de polícia, sem suspeitar o próximo perigo, no descuido das consciências tranquilas, dirigindo-se direto para a porta da sacristia; mas, apenas dera as costas àqueles que deviam ser um elemento de segurança, sentiu-se de súbito subjugado por todos os lados, ao mesmo tempo lhe caiam sobre a cabeça amiudados e profundos golpes de sabre.

No momento do assalto covarde, estrugiram duas exclamações selvagens:

“É este o homem! Mata!”

Debalde tentou desprender-se da traiçoeira e brutal investida, porque surgiram de todas as direções outros soldados, estreitando o ciclo de ferro em que se debatia.

Não foi a patrulha da noite, que se recolhe sempre muito antes das quatro horas da madrugada, a autora da agressão; deve ter sido um troço escolhido, a dedo, para hedionda função.

Atordoado, cego pelo borbotões de sangue, que lhe escorriam pelas faces, deixou-se arrastar, quase em estado de inconsciência (...)"
 

 
 
Elias Martins, na obra O Poder das Trevas de 1913, narra o atentado contra Mons. Lopes, atribuindo a Maçonaria a autoria e mandato do crime, e cita a provável razão de tamanha trama odiosa contra venerável sacerdote, o maior representante do clero piauiense de seu tempo:

Há poucos dias, nesta capital, às portas da Igreja de S. Benedito, no exercício do culto sagrado, caia o seu zelador, gerente d’ O Apóstolo, crivado de vinte e um golpes de sabre, acometido por dezenas de soldados de polícia, postos ali de emboscada, às quatro da madrugada de um domingo,- hora da primeira missa!

Os assassinos contavam que o Padre Lopes, ao clamor da vítima, viesse em seu socorro, caindo nas garras dos tigres. Salvou-o do martírio os santos e secretos desígnios de Deus, frustrando o plano tenebroso.

Não é lícito ao jornal católico emudecer em face dessa situação terrorista,- a paz do pavor, a paz do suicídio moral,- covarde renúncia da liberdade de pensar e obrar de acordo com a consciência.

(...)

Ao caçador noturno, guardado na tocaia traiçoeira, - fácil era desferir o golpe de morte na gazela inocente, bebendo a demorados sorvos a sensação fremente da vil emboscada.

Breve chegou aos ouvidos do confiante prelado a notícia de que o Padre Lopes não aceitava a paz acordada, mantendo-se no posto de combate.  Os discursos que proferiam nas sessões da "União Popular", os sermões que pronunciava na tribuna sagrada, as opiniões que manifestava entre os colegas, até ditos na confiança de palestras íntimas, vinham ter ao paço arteiramente desfigurados, ponteados de apreciações malígnas, сагregados de acréscimos venenosos.

Nada mais tentador do que a voz pérfida e cavilosa do semeador da discórdia, sempre vigilante, à espreita da ocasião azada, sabendo tirar de um fato insignificante, de palavras isoladas, às vezes de um gesto, deduções danosas, que jamais roçaram ao menos a mente do seu autor.

Ameaçadoras suspeitas foram-se amontoando dia a dia sobre a cabeça do Padre Lopes, calmo e firme no cumprimento do ministério santo, ciente de que a confiança e estima do chefe querido estavam minadas pela manha subterrânea do inimigo.

A campanha na tribuna sagrada e no jornal contra o governo sectário, a propagação da "União Popular", a posição à venda das fazendas de Piracuruca, fundo principal do patrimônio da diocese, constituíram os insidiosos libelos acusatórios.

Daí a pecha rebelde ao princípio da autoridade civil e religiosa, - verdadeiro escândalo explorado em todos os tons pela imprensa oficial e maçônica.  Estudados os fatos à luz da verdade, a posição do Padre Lopes, longe de merecer censuras, impunha-se à gratidão dos católicos, não só por sua fidelidade às leis da Igreja, como também pelos seus relevantes serviços a causa do Piauí.
 
 
Referências
 
Sangue inocente às portas da Egreja. O APÓSTOLO. Ano VI, nº 280, Teresina, 1 de dezembro de 1912, p. 1.
 
MARTINS, Elias. O Poder das Trevas. Rio de Janeiro: Capital Federal, 1913.
 

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